Os materiais, na configuração das cidades, podem ser trabalhados na relação com a forma, a função e a tecnologia de modos catalizadores da nossa possibilidade de construção de pontos de vista ou, pelo contrário, condicionando e alienando a nossa percepção influindo, por exemplo, no tempo e qualidade de permanência nos espaços. Podem favorecer determinados movimentos e direcções tomados pelo corpo em detrimento da possibilidade de outros.
As paredes de vidro influem poderosamente na percepção da cidade para quem caminha pelas ruas, sejam os transeuntes conscientes ou não desse facto. Enquanto montras ou fachadas de edifícios, ou como superficies de outras arquitecturas de menor escala, activam várias possibilidades de níveis de visão pela articulação entre a inerente função de limite físico do vidro e as suas características expressivas. Transparente ou não, limpa ou com inscrições, uma parede de vidro é um meio de enquadramento da cidade que gera performatividades específicas, não só ao nível visual mas também ao nível da totalidade do corpo.
Tomando as paredes de vidro como alvo de observação crítica, esta comunicação propõe, por um lado, um olhar sobre as materialidades do espaço urbano entendidas enquanto processos através do tempo e do espaço e pelas relações e fronteiras que estabelecem com o corpo, e por outro lado, um olhar sobre a performatividade deste pela sua adaptação ou reacção a tais materialidades, quase sempre de modo inconsciente e intuitivo. Uma reflexão sobre modos de ‘intervenção urbana’ não propriamente planeados mas que se evidenciam a longo prazo, por exemplo, através da ocorrência no espaço público de práticas espaciais não expectáveis por relação com as condições materiais que as contextualizam.
Marta Traquino.
Marta Traquino é artista e investigadora em Arte Contemporânea. Em 2012 concluíu o doutoramento em Belas Artes - Arte Pública (FBAUL) com a tese teórica e prática "Ser na cidade – urbanidade e prática artística, percepções e acções". Presentemente, desenvolve a investigação teórica e prática em pós-doutoramento "Para a prática reflexiva de uma ‘arte conversável’ no domínio público” (com apoio da FCT).
Investiga práticas artísticas de abordagem ao Espaço e ao Lugar em contexto urbano. Participa em conferências internacionais cujos temas relacionam a Arte Contemporânea com as Ciências Sociais e Humanidades para o pensamento crítico sobre as cidades de hoje. Em 2010 o seu livro “A construção do Lugar pela arte contemporânea” foi publicado pelas Edições Humus. Desde 1995 lecciona em diversas instituições cursos e workshops teóricos e práticos do âmbito da Arte Contemporânea.
A sua prática artística consiste em instalações e propostas para acção que funcionam como ‘arquitecturas efémeras’ catalisadoras da percepção/relação do indíviduo para com as ‘arquitecturas permanentes’ nas quais se encontra.
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