REDE #01 com Tomaz Hipólito: 2013 Draw_05
[sem] rede: breves notas sobre a dedicação ao desequilíbrio
Há essa imagem de Philippe Petit, suspenso no vazio, a meio caminho entre as torres gémeas de Nova Iorque. Se a fotografia é, por si só, imponderável, tudo nela parece porém confirma-la, a essa implausibilidade feita do desejo de se atravessar o mais alto dos vazios, suspenso na imaterialidade de uma linha. De uma linha apenas.
Tudo ali nos parece inverosímil: desde o caminhar pausado desse homem sobre o abismo até ao abismo ele próprio, cujo preto e branco da fotografia o amplia até à desmesura e, sobretudo, a materialidade desses dois edifícios cuja inexistência nos é gritante; fazendo-nos concluir que afinal esse arame pisado por Petit gravita entre o nada e coisa nenhuma.
Deste episódio, não resta senão a dúvida ela própria: a dúvida sobre aquilo que terá levado este homem a querer caminhar sobre o nada, a dúvida sobre a utilidade dessa acção e, sobretudo, a dúvida sobre aquilo que serão as suas consequências.
Porém, o significado da imagem, mais até do que o final da história protagonizada por Petit, implica o distanciamento dessas questões, que aqui se tornam prosaicas até; para nos levar a esse outro lugar a meio caminho entre duas coisas que [já] não existem, mas onde tudo é agora possível.
Assim, a meio caminho das duas torres suspensas num tempo já de si suspenso pela fotografia, revela-se uma aparente ausência de movimento, inversa à lei natural do equilíbrio. Porque, ao contrário daquilo que a física nos pretende fazer crer, é exactamente no movimento que reside a possibilidade de equilíbrio. E é na paragem, nesta paragem do equilibrista, que melhor se demonstra a iminência da queda.
E depois: depois há essa outra evidência: a de alguém ou algo poder pairar, apoiado numa linha apenas; sabendo-se que, por definição, uma linha não mais é de o espaço de tempo percorrido entre dois pontos; desautorizando-se desta forma essa outra lei da geometria que dita a impossibilidade de nos salvarmos através de algo que tenha apenas duas dimensões.
É aqui, neste desequilíbrio feito de suspensão de tempo e de suspensão de espaço, que reside o significado da obra de Tomás Hipólito com o Projecto REDE.
Ao contrário de Petit, que lá acabaria por escapar incólume a tão desmesurada aventura , a inverosimilhança do monólito de Hipólito justifica-se através dessa mesma possibilidade da tragédia anunciada na imagem da travessia, revelando-se agora o exacto momento em que a ausência de movimento dá lugar ao desequilíbrio; negando-se ainda assim, paradoxalmente, a probabilidade da queda imposta pela física.
O monólito sugere porém uma dúvida maior: a sua intangibilidade oculta-nos aquilo de que é feito, e a sua forma nega-lhe qualquer uso, qualquer comportamento; como se a sua aparente inutilidade pudesse confirmar a própria condição de suspensão que lhe é atribuída.
Ainda assim, tal como na imagem da travessia, a obra afasta qualquer ambição de iludir, de enganar; revelando-nos, sem pudor, o mecanismo a que se segura, no ar.
Dessa forma, a REDE assume a explicação deste movimento parado, sustentando-os, ao tempo e ao espaço, e concentrando-os no monólito de Hipólito; tornando-se por tal impossível dar razão a esse argumento pelo qual uma linha é apenas a distância entre dois pontos distintos: aqui os próprios pontos são o que menos importa.
Desta Rede, sob a qual mais cedo ou mais tarde serão instaladas outras obras que previsivelmente se irão alastrar pelos céus da cidade, inaugura por tal essa ideia: a de virmos a ser confrontados com a arte não mais ser do que a possibilidade de suspensão das coisas.
E no entanto, se a utilidade da proposta deste colectivo reside aí, então há uma claro equivoco na forma encontrada para nomear este sistema: afinal, tal como Petit, continuamos todos nós a caminhar sobre o abismo. A caminhar na corda bamba. Sem rede.
Pedro Machado Costa
Lisboa, Outubro 2013
PROJECTO REDE
CONCEPÇÃO: Atelier Helena Botelho Filipe Mónica com Luca Martinucci e Filipe Alves.
PRODUÇÃO: Atelier Helena Botelho Filipe Mónica com Rita Ferreira.
MONTAGEM: João Veríssimo, Renato Franco, Tiago Pinto, Álvaro Silva, Nádia Marques, Isabel Gomes, Pedro França Jorge, João Jorge, Gilson Ferreira, João Tereso, David Dias, Pedro Canelhas, Catarina Gomes, Cláudia Correia, Ricardo Miguel, Nuno Mendonça, Vasco Pereira, Ariana Pereira, Sérgio Godinho, Patrícia Almeida, Lueji Ferreira, Ticiana Aguiar, Ricardo Leal, Soraia Cardoso, Maria Laura Medeiros.
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